Muitos dos discursos coletados, classificados e disponibilizados neste projeto tentam esconder a realidade da crise ambiental. Políticos do mundo inteiro se gabam nos cenários públicos de seu compromisso ambiental, enquanto nas fases de negociação fazem todo o possível para manter intactos seus interesses econômicos, o controle de seus recursos naturais, e sua influência política. Sem vontade política real nem a responsabilidade de executar aquilo que se promete, as palavras viram uma cortina de fumaça estratégica para omitir, enrolar, e desencorajar ações contra o colapso ecológico, climático e ambiental que enfrentamos.
Ator central na agenda climática até recentemente, o Brasil já foi um dos principais articuladores de políticas transnacionais no enfrentamento às mudanças climáticas. Com 60% da Amazônia em seu território e alguns dos maiores e mais diversos biomas do mundo, o país continua sendo decisivo, por meio de sua política ambiental, na luta para mitigar o aumento de temperatura do planeta e reimaginar um novo sistema ambiental, social e econômico.
É que —como posso dizer isso sem parecer desesperado?— se vocês administrarem uma solução, vocês salvam o resto do mundo. Porque em nenhum lugar há a mesma intensidade das duas tempestades se juntando, a ecológica e a política, como há no Brasil.
Durante os últimos anos, vem acontecendo uma mudança estratégica com relação ao discurso ambiental. Os negacionistas já não contestam diretamente a existência da crise climática, mas passaram a problematizar a urgência e o ritmo das ações adaptativas que a ciência climática e os tratados internacionais determinam como essenciais.
Seja limitando suas metas, destruindo a legislação ambiental, vendendo a ideia de uma economia verde e sustentável enquanto se intensifica a dependência dos combustíveis fósseis, ou mesmo mentindo sobre a realidade nos territórios, a classe política e empresarial vive entre a negação e a complacência do capital no momento em que a ameaça existencial que paira sobre todos - em especial, sobre os mais pobres ou atrasados na implementação de processos adaptativos - só se intensifica.
Um breve exemplo ilustrativo desse movimento: na COP 25, realizada em 2019 na cidade de Madri sob a presidência do Chile, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, finalizou seu discurso no segmento de Alto Nível fazendo um chamado à ação: Não podemos ficar satisfeitos simplesmente organizando a próxima COP. Como diz o lema da COP 25: é hora de agir.
E “agir” contra os interesses nacionais, da ciência, do meio ambiente e do futuro das próximas gerações foi o que ele e o governo de Jair Bolsonaro fizeram durante os últimos quatro anos. Isso ficou claro em outra declaração de Salles feita em abril de 2020, que se tornou pública em maio daquele ano, por decisão judicial do Supremo Tribunal Federal (STF):
Então para isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de Covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas.
Ou seja, o plano de ação que o governo Bolsonaro ficou cristalino. Mesmo assim, o ministro só saiu do governo a pedido próprio (ou seja, não foi demitido) mais de um ano depois de revelado o episódio. O motivo: ser investigado, entre outros crimes ambientais, por um esquema milionário de tráfico de madeira ilegal.
Como definir essa discrepância escancarada entre as palavras e as ações? Como um grande blá-blá-blá.
As mudanças climáticas provocadas pela ação humana tiveram início há menos de 300 anos, com a revolução industrial. Segundo o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de 2021, “A temperatura da superfície global aumentou em um ritmo mais acelerado desde 1970 do que em qualquer outro período de 50 anos em pelo menos dois mil anos.” É importante destacar, no entanto, que a maioria da humanidade, que menos contribui para a aceleração dos eventos climáticos extremos, é a parcela mais atingida com a falta inação dos governos e grandes empresas. Além disso, segundo um relatório da ONU, divulgado em 2021, os países mais vulneráveis às mudanças climáticas são os que mais se empenham em seu combate.
A maioria da população no Brasil e no mundo apoia a adoção imediata de transformações para mitigar os efeitos da crise ambiental. O mercado não vai salvar a humanidade. Precisamos continuar exigindo, nos educando e comunicando. A pressão política exercida por meio da ação coletiva guiada pela busca da justiça climática é a nossa ferramenta mais importante para mudar o rumo da história da nossa espécie e do nosso planeta.
Para o desenvolvimento deste projeto, nos apoiamos no trabalho de cientistas, organizações, pesquisadores e ativistas, os quais podem ser encontrados nos links ao longo dos textos e nas referências listadas na metodologia. Acreditamos que o material coletado, organizado e disponibilizado é mais um insumo e um complemento a diferentes pesquisas e projetos valiosos desenvolvidos no país.