Home Sobre Metodologia LAI Exemplo: Fundo Amazônia


A reportagem a seguir é um exemplo das inúmeras aplicações de uso da plataforma Brasil na COP. No caso, os registros (ou falta deles) do termo-chave 'Fundo Amazônia' serviram de base para essa investigação jornalística.

A longa e tortuosa jornada do Fundo Amazônia

A trajetória do Fundo Amazônia reflete, de diversas maneiras, a história da política ambiental brasileira recente. Uma das principais soluções criadas para ampliar as ações de combate ao desmatamento na floresta amazônica, o Fundo foi engavetado pelo governo Bolsonaro (2019-2022), que desprezou políticas de preservação. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 30 de outubro, sua volta começa a ser negociada.

Criado em agosto de 2008, durante o segundo mandato de Lula, o fundo tinha como principal objetivo captar investimentos para financiar “ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal”, segundo o decreto 6.527/08.

Na época, os governos debatiam o quarto relatório do IPCC, que confirmava indícios de mudanças nos padrões climáticos da Terra, e os fundos nacionais para preservação ambiental e controle de emissões começavam a se popularizar. O próprio governo Lula já havia criado o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, a primeira iniciativa do tipo no país, em 2006. Atualmente, o Brasil conta com 5 fundos do tipo, dos 74 existentes no mundo.

Administrado pelo BNDES, o Fundo Amazônia tem como principais doadores os governos da Noruega e da Alemanha e, em menor escala, a Petrobras. Entre 2009 e 2018, o Fundo Amazônia recebeu US$ 1,2 bilhão do governo norueguês (94,1% dos recursos), US$ 68 milhões do alemão (5,3%) e US$ 7,7 milhões da Petrobras (0,6%). Ao longo de 9 anos, 102 projetos foram financiados pelo Fundo Amazônia, um investimento de cerca de R$ 1,75 bilhão nas áreas contempladas, especificamente:

  1. Gestão de florestas públicas e áreas protegidas;
  2. Controle, monitoramento e fiscalização ambiental;
  3. Manejo florestal sustentável;
  4. Atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da vegetação;
  5. Zoneamento Ecológico e Econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária;
  6. Conservação e uso sustentável da biodiversidade;
  7. Recuperação de áreas desmatadas.
Mapa de iniciativas financiadas pelo Fundo Amazônia

Fundo Amazônia nas COP

No contexto das COP, as convenções das Nações Unidas para mudanças climáticas, o Fundo Amazônia foi citado com destaque em diversos discursos da ministra do Meio Ambiente dos governos Lula e Dilma, Izabella Teixeira, nas COP 16 (Cancún-MEX, 2010), 17 (Durban-AFS, 2011) e 18 (Doha-QAT, 2012).

Nas três ocasiões em que foi citado nas cúpulas, foi usado como exemplo de políticas ambientais e de cooperação internacional bem sucedidas.

“Para além dos planos e ações mencionadas, o governo brasileiro desenvolveu outros instrumentos nacionais, como o Fundo Clima e o Fundo Amazônia, dedicados ao financiamento de atividades e projetos que contribuam efetivamente para a implementação de uma agenda de mitigação e adaptação no país”, discursou a então ministra na COP18, em Doha.

Nesse mesmo ano, 2012, o desmatamento na Amazônia Legal atingiu seu menor número histórico. Segundo o PRODES, projeto do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora a região, foram 4.571 quilômetros quadrados. Dez anos depois, o governo Bolsonaro segurou a divulgação dos números do Prodes para depois da COP 27, no Egito. Seguindo a média de aumento do desmatamento durante os anos Bolsonaro, mais a tendência apontada pelos números do Deter, é esperado um registro mais que três vezes maior na área desmatada na Amazônia Legal.

Após Izabella Teixeira afirmar no discurso em Doha que “o Brasil espera que o Fundo Amazônia continue a receber novas e adicionais contribuições financeiras” e o financiamento foi assegurado pelos parceiros do Brasil, o fundo não foi mais citado pelos ministros brasileiros nas COP seguintes.

A crise política e econômica após 2013, e a saída, via impeachment, de Dilma Rousseff da presidência da República em 2016, mudaram o perfil do discurso ambiental brasileiro.Passou a girar mais em torno de aspectos econômicos e cobranças para outros organismos internacionais.

recorte e distorsão de imagem de desmatamento da floresta amazônica
Neil Palmer/CIAT. Efeitos: Constraint Systems

Paralisado

O Fundo Amazônia foi paralisado em 2019, com o início do governo Jair Bolsonaro. Em novembro daquele ano, o decreto 10.144 extinguiu os órgãos responsáveis pelo manejo dos recursos: o Comitê Orientador (COFA), que determinava as metas e acompanhava sua execução, e o Comitê Técnico (CTFA), que acompanhava as emissões oriundas de desmatamentos na Amazônia.

Diante do fim dos comitês, Alemanha e Noruega decidiram suspender as doações e os repasses. O dinheiro já tinha destino certo para controle e monitoramento do desmatamento da floresta, programas em terras indígenas, controle de emissões de gases causadores do efeito estufa, zoneamento ecológico e outras ações.

Em meio à suspensão de pagamentos, a destruição da floresta na Amazônia Legal cresceu 72% apenas nos três primeiros anos do governo Bolsonaro. Isso tudo em um contexto mundial em que o relatório de 2021 do IPCC alertava sobre a necessidade de mudanças urgentes nas políticas ambientais para conter o aumento da temperatura média mundial para apenas 1,5°C até 2035.

Isso não impediu o governo brasileiro de anunciar metas tão fantasiosas como inatingíveis. Na COP26, em Glasgow (Escócia), dias após a divulgação do relatório do IPCC, o ministro Joaquim Leite abriu seu discurso prometendo “redução de emissões de 50% até 2030 e neutralidade climática até 2050” e “zerar o desmatamento ilegal até 2028”. além de afirmar que o governo federal “dobrou os recursos destinados às agências ambientais federais”.

Os dados do sistema Siga Brasil, analisados por técnicos do Instituto de Estudos Sócioeconômicos (Inesc) mostram que a verba do Orçamento Federal destinada à área ambiental caiu entre 2019 e 2021 tanto em valores autorizados em orçamento (de R$ 4,32 bilhões para R$ 3,17 bilhões) quanto em execução financeira (de R$ 3,08 bilhões para R$ 2,5 bilhões).

Especificamente, a rubrica sobre fiscalização ambiental mostra o tamanho do descaso. Em 2019, foram empenhados R$ 123,06 milhões para a área, dos quais foram executados R$ 102,2 milhões. Em 2021, a verba empenhada subiu para R$ 236,2 milhões, mas foram utilizados apenas R$ 95,2 milhões.

imagem desmatamento da floresta amazônica com efeito de cor
Bruno Kelly/Amazônia Real - licença Creative Commons 2.0. Efeitos: Constraint Systems

Caminho aberto para a volta

Em 3 de novembro de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo reative o Fundo Amazônia em um prazo máximo de 60 dias. Por 9 votos a 1, os ministros atenderam a uma ação apresentada pelos principais partidos de oposição (PSB, PSOL, PT e Rede).

Os autores acusavam a União de não ter repassado o dinheiro já em conta, ou seja, legalmente liberado para financiar projetos de preservação na Amazônia Legal.

A recuperação do Fundo Amazônia também passa pela retomada do financiamento internacional após a terceira eleição de Lula a Presidente. Horas após a confirmação do resultado, o governo da Noruega anunciou que enviaria um representante para negociar novos recursos, enquanto a Alemanha afirmou sua intenção de desbloquear os repasses para o Brasil. De acordo com a auditoria anual, no fim de 2021 o fundo contava com mais de R$ 3,5 bilhões em verbas paradas.

Após ser eleito para seu terceiro mandato, Lula foi convidado a participar da COP 27, em Sharm-El-Sheik, no Egito, na primeira quinzena de novembro. Em um discurso celebrado pela imprensa internacional, disse que o Brasil “está de volta” à diplomacia internacional e às negociações ambientais e que gostaria de realizar a COP 30, em 2025, na Amazônia.

Com a pressão do presidente eleito do Brasil, que cobrou compromissos de COP passadas, os países negociaram a criação de um fundo com recursos das nações mais ricas para compensar as perdas causadas pelas mudanças ambientais em locais mais pobres, como países-ilhas. A previsão é que a iniciativa, que ainda será negociada até a COP 28, conte com uma verba de até US$ 100 bilhões.